No cenário cinematográfico contemporâneo, onde os thrillers muitas vezes dependem de reviravoltas chocantes e ação incessante, “Decision to Leave” (Decisão de Partir), de Park Chan-wook, emerge como uma anomalia hipnotizante. Lançado em 2022, este filme sul-coreano transcende as convenções do gênero, entrelaçando um mistério policial intrincado com uma história de amor não convencional e obsessão. Enquanto muitos aclamam sua beleza visual e performances cativantes, o filme continua a ser surpreendentemente subestimado por um público mais amplo, merecendo muito mais reconhecimento como um dos mistérios mais sofisticados e profundamente ressonantes da década de 2020.
À primeira vista, “Decision to Leave” apresenta a premissa de um detetive de homicídios, Hae-joon (Park Hae-il), investigando a morte de um homem nas montanhas. A principal suspeita é a enigmática e sedutora esposa do falecido, Seo-rae (Tang Wei). No entanto, o que se desenrola não é um simples jogo de gato e rato, mas uma dança complexa de atração, desconfiança e revelações psicológicas que desafiam as expectativas do espectador a cada cena.
A Maestria Cinematográfica de Park Chan-wook
Park Chan-wook, conhecido por suas obras-primas provocadoras como “Oldboy”, “A Criada” e “Lady Vingança”, eleva “Decision to Leave” a um patamar artístico superior através de sua direção característica. Sua assinatura visual, que combina composições meticulosas, uso inovador da câmera e uma paleta de cores atmosférica, está em plena exibição. No entanto, em contraste com a violência gráfica que permeia grande parte de sua filmografia anterior, Park adota uma abordagem mais sutil e interna aqui, explorando a violência psicológica e emocional com uma delicadeza assustadora.
Narrativa Não Linear e Fluidez Visual
Uma das maiores forças do filme reside em sua narrativa não linear e na fluidez com que Park Chan-wook transita entre o passado e o presente, a realidade e a percepção. As cenas de interrogatório são intercaladas com sequências que simulam a imaginação do detetive, permitindo que o público compartilhe a mente de Hae-joon, imerso em suas suspeitas e crescente fascínio por Seo-rae. Essa técnica não apenas enriquece a trama de mistério, mas também aprofunda a complexidade dos personagens, tornando a experiência de assistir ao filme uma forma de decifrar um quebra-cabeça visual e emocional.
A Importância da Linguagem e Comunicação
O roteiro, co-escrito por Park Chan-wook e Jeong Seo-kyeong, é uma obra-prima de nuances. A barreira do idioma entre Hae-joon (que não fala chinês) e Seo-rae (que usa um aplicativo de tradução imperfeito) serve como uma metáfora poderosa para a incomunicabilidade e os mal-entendidos que permeiam seu relacionamento. Cada palavra, cada frase traduzida, carrega um peso duplo, adicionando camadas de ambiguidade e incerteza que alimentam o mistério central. Este elemento é crucial para a atmosfera do filme, sublinhando como a percepção e a interpretação podem distorcer a realidade.
Performances Cativantes: O Coração do Mistério
As atuações de Park Hae-il e Tang Wei são absolutamente essenciais para o sucesso de “Decision to Leave”. Tang Wei, em particular, entrega uma performance hipnotizante como Seo-rae, uma mulher cuja inocência e culpa se entrelaçam de forma indissolúvel. Sua capacidade de transmitir uma gama tão vasta de emoções com sutileza, mantendo uma aura de mistério, é notável. Park Hae-il complementa-a perfeitamente como o detetive Hae-joon, cuja profissionalismo inabalável começa a se desintegrar sob o peso de sua obsessão. A química entre os dois é palpável, transformando o que poderia ser um mero caso policial em uma exploração profunda do desejo e da psique humana.
Por Que “Decision to Leave” Permanece Subestimado?
Apesar de ter sido aclamado pela crítica internacional, ganhando o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes de 2022 e sendo a submissão sul-coreana ao Oscar de Melhor Filme Internacional (embora não tenha sido indicado), “Decision to Leave” ainda não alcançou o mesmo nível de reconhecimento popular que outros filmes coreanos de sucesso, como “Parasita” ou até mesmo as obras anteriores de Park Chan-wook. Várias razões podem contribuir para isso:
**Sutileza em Vez de Espetáculo:** Ao contrário de “Oldboy”, que chocou o público com sua violência e reviravoltas extremas, “Decision to Leave” é um filme de ritmo mais lento, que se baseia em tensão psicológica e ambiguidade, em vez de gratificação instantânea.**Complexidade Temática:** O filme explora temas como a natureza da verdade, a moralidade ambígua e os limites do amor e da obsessão, exigindo uma análise mais profunda do espectador. Não é uma narrativa facilmente digerível.**Marketing e Distribuição:** Embora tenha tido um lançamento de arte e ensaio bem-sucedido, pode não ter tido a mesma campanha de marketing massiva de blockbusters ou filmes com um apelo mais universal.**Expectativas do Gênero:** Alguns espectadores podem abordá-lo esperando um thriller de mistério tradicional e se verem surpreendidos por sua inclinação para o drama psicológico e o romance melancólico.
Um Legado Cinematográfico a Ser Descoberto
“Decision to Leave” é uma obra-prima de sutileza e profundidade, um filme que se recusa a entregar respostas fáceis e, em vez disso, convida o espectador a mergulhar em sua atmosfera densa e ambígua. É um testemunho da capacidade de Park Chan-wook de inovar e reinventar gêneros, entregando uma narrativa que é ao mesmo tempo um quebra-cabeça intrigante e um lamento sobre o amor impossível.
Para os amantes do cinema que buscam algo além do convencional, um filme que ressoe muito tempo depois dos créditos finais, “Decision to Leave” não é apenas um mistério a ser desvendado, mas uma experiência a ser sentida e contemplada. É, sem dúvida, um dos filmes mais subestimados e brilhantes dos anos 2020, merecendo um lugar de honra na sua lista de filmes imperdíveis.
